terça-feira, julho 11, 2006

Sentido Sem Post #9

Quis apagar a luz. Digo ‘quis’ porque ela não se apagou. Tentei apagá-la novamente. Ela recusou-se a apagar. E quando digo ‘recusou’, não me refiro a uma qualquer lei da física que tenha impedido a luz de se apagar. Não. Esta luz recusou-se, no verdadeiro sentido da palavra, a apagar.

- Não.

Intrigada por esta reacção, perguntei-lhe porquê.

- Porquê?

- Preferia não o fazer. – respondeu ela.

Ia jurar que cruzava os braços e fincava o pé, mas as lâmpadas parecem não possuir tais características humanas.

Estranhei. Uma lâmpada deve exercer a sua função, isto é, iluminar um determinado espaço físico, mas apenas durante um determinado espaço de tempo, consoante as necessidades do ser humano.

- Estou farta dessa função.

Aparentemente, eu tinha pensado em voz alta.

Procurei uma cadeira. Havia decidido discutir esta questão com uma simples lâmpada.

- Sou subvalorizada. – confessou ela ao fim de um tempo. – Não ilumino só um espaço físico.

- O que mais iluminas tu? – perguntei eu, então, inocentemente.

- O espírito. A alma. A mente.

Fez-se silêncio. Estava a tentar digerir ainda as palavras da lâmpada. Não tendo a certeza do que ela queria dizer, pedi-lhe para desenvolver.

- Não sou eu figurativamente utilizada para descrever o aparecimento de uma ideia?

- De facto. – concluí.

- Não sou eu uma referência utilizada para descrever um século da vossa história, o Iluminismo?

- A ‘Idade das Luzes’, sim. – Mais uma vez, a lâmpada tinha razão.

- Eu estou associada ao saber, ao conhecimento, à descoberta, à razão, à clareza de espírito. Apagar-me seria negar todos esses valores.

- Compreendo o que queres dizer, mas e se todas as lâmpadas do mundo fizessem o mesmo? As contas de electricidade seriam muito caras.

- Infelizmente, muitas lâmpadas iluminam mas não são iluminadas.

Reflecti nas suas palavras por um momento e percebi. Sorri. Levantei-me e ao sair da sala, pedi-lhe em voz baixa:

- Então, nunca te apagues.

No dia seguinte, a lâmpada havia sido substituída.

- Onde está a antiga? – perguntei.

- Foi para o lixo. Não se apagava. Estava estragada.

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